domingo, 25 de maio de 2014

Gastronomia para os jogadores estrangeiros

Na Copa do Mundo, nós, os cronistas que ficamos para trás nos bancos de reserva, roemos as unhas até o sabugo, despeitados, com uma inveja verde e viscosa daqueles que estão em Paris, irremediavelmente sorridentes, escrevendo sobre bunda de escocês. Nós, os oprimidos, choramos os assuntos perdidos. Deveríamos ter sido incluídos no pacote, gememos, vís, mesmo no pacote vigarista sem os jogos. Quem está escrevendo sobre a "haute cuisine"? Foram visitar o velho Robuchon? O Alain Ducasse tão estrelado? Qual o dia-a-dia da comida da seleção? Pensam que nos enganam? Aquela mesma história de saudade do feijão com arroz? Nossos jogadores mudaram. Falam melhor que astros de TV, estudam na Sorbonne, privam com socialites, frequentam os grandes alfaiates italianos, nada que Glorinha Kalil possa botar defeito. E a mãe de Ronaldinho precisa dar uma de Sophia Loren na alfândega escondendo um paio debaixo da saia? Aí tem coisa. É gênero, minha gente, é gênero... Daqui os despeitados avisam - Attention au foie gras et au caviar! Devem estar escondidos debaixo do torresmo! Potências nanicas jogam em Lyon! Coréia x México. Que angústia estar aqui comendo amendoim em frente à TV, quando poderia rabiscar receitas coreanas do técnico Cha Bun Kun, arrancar segredos da namorada do atacante Choi Yong Soo, donos de uma comida que de nanica não tem nada. Já me imagino sentada num bistrô lionês, ou até mesmo infiltrada no estádio de Gerland, pesquisando com Bernal, Garcia, Aspe e Ramirez um mole de peru com chocolate... E as mães mexicanas, Fridas Kahlos dolorosas, terão mandado pimentas e tacos e tortillas para os filhotes bigodudos,com endereço de Lyon, a sede da boa mesa? Ah, é um assunto sem fim esse da cozinha. Mas, sempre se pode diversificar antes de voltar à carga. Do alto de nossos cabelos brancos poderíamos dar um toque nos meninos. O que é isso, garotos? Não fica bem essa alegria esfuziante com aquele castelo ao fundo... Os poucos brasileiros que ficaram no Brasil empunharam suas lentes para descobrir se era o Loire, ou era o castelo euro da Branca de Neve! Façam-me o favor... Modus in rebus, crianças. Aí não é Miami, larguem o Mickey, é a terra dos castelos de verdade, das vertiginosas montanhas russas do pensamento. Vamos jogar com Marrocos? Pois saibam vocês, seus felizardos, que os cronistas de comida poderiam derrubar esses marroquinos antes do jogo numa manobra tática invejável, seguros da impunidade, pois prenderiam os suspeitos de sempre. Se os brasileiros definham de saudade da feijoada o mesmo deve estar acontecendo aos marroquinhos. Viram a cara deles no primeiro jogo? Olhos que pareciam faróis, intensos, ferozes. Cavaleiros da brigada ligeira, sem cavalo Tresloucados de fome, perigosos. Vamos ao cenário. Poderia ser qualquer das casas alugadas nos arrabaldes de Paris por brasileiros. A do Ronaldinho ou do Bial. Uma almofada de brilhos, toda Marrocos convidada, e... ação. Começa-se a preparar a "diffa". O banquete.. A comida marroquina é farta vem da escola dos palácios, das grandes aves recheadas com outras aves até se chegar ao menor pássaro canoro. É a terra banhada por dois mares com todos os seus peixes. Um oásis de palmeiras feito pelo homem, onde corre o mel e o leite. Se o dia estiver bonito o ideal é um "méchoui", o cordeiro bérbere assado inteiro como um leitãozinho no espeto, a carne esfregada de alho e cominho rescendendo junto às sebes de alecrim. Depois de pronto o cordeiro fica pururuca por fora e macio por dentro para ser comido com as mãos em grandes bocados. Untamos assim a manoplas do goleiro, tomando-as escorregadias. E o tagine? Imagine o tagine! Galinhas ensopadas em fogo muito baixo com enormes azeitonas brilhantes, pedaços de limão marroquino em conserva com açafrão, gengibre e páprica. No banquete costumeiro passam até doze pratos. Peixes recheados com tâmaras frescas, tortas de pombos com açúcar, espetos disso e daquilo, e sempre, no final glorioso, o cuscuz. Uma travessa redonda com um morro de grãos leves, delicados, inchados de vapor de um cordeiro cozido abaixo deles, no cuscuzeiro, temperado com ervas. Na panela de baixo a carne vai amolecendo com os legumes, formando um molho grosso e ferruginoso que impregna os grãos de trigo com seu cheiro. E o prato nacional pede cama, rede, sono, torpor, velocidade zero. (Corre à boca pequena que no Marrocos há gente que possui kimia, que é o dom de multiplicar comida. Se um homem tem um pouquinho de cuscuz e kimia pode passar o resto da vida sem problema, com essa graça interior de multiplicação das bolinhas de trigo. Esperamos que seja uma química de bolas, jamais de gols). E nós aqui, o assunto a bordejar pelo nada, podemos oferecer aos felizardos da Copa as receitas para derrubar marroquinos. É só pedir. Nós, os clínicos, invejosos e já carregados de culpa não temos nada a perder, um cigarro no canto da boca -"play it again, Sam". Afinal, no esporte e no amor "it's still the same old story, a fight for love and glory, a case of do or die... as time goes by."
Fonte: Internet.

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