segunda-feira, 19 de maio de 2014

A paróquia da cidade foi fundada em 1936, tendo como padroeira a santa européia, Nossa Senhora de Lourdes.

Paróquia Nossa Senhora de Lourdes - Encruzilhada - Bahia

A história religiosa de Encruzilhada é marcada por uma ruptura no seu quadro devocional. A paróquia da cidade foi fundada em 1936, tendo como padroeira a santa européia, Nossa Senhora de Lourdes, o entrave, porém, era São Benedito ter sido cultuado por muito tempo como o padroeiro da então vila. O livro de Tombo da cidade não faz nenhuma referência ao culto devotado a São Benedito, e é nesse silêncio que a Igreja local se apóia para afirmar que a “história” de Benedito ter sido o padroeiro da cidade – título dado pelo povo, antes de Nossa senhora de Lourdes, não passa de uma falácia. Porém, o Livro de Tombo da Paróquia Nossa Senhora das Vitórias, em Vitória da Conquista, fala da existência de um quartinho dedicado a São Benedito desde 1905, em Encruzilhada há uma capela em construção, mas já abandonada desde muito, é uma pobre velha africana chamada de Benedita que fornece ali ao padre um quartinho construído por ela e dedicado a São Benedito para a celebração de missa e administração dos sacramentos . Desse fragmento do Livro de Tombo da Igreja Matriz de Vitória da Conquista é possível fazer algumas inferências no tocante à posterior negação de São Benedito, enquanto padroeiro da cidade. O culto existiu. E, mais do que isso, havia por parte da Igreja Católica o reconhecimento e a legitimidade de tal culto, já que se afirma que a celebração de missas e a administração de sacramentos ocorriam no “quartinho” que Benedictta Africana dispunha para a devoção ao santo negro. Portanto, não se tratava de uma devoção privativa de uma negra – como querem pessoas, ou instituições locais, que desmentem a ruptura devocional. O culto já havia extrapolado os limites do privado, assumindo feições públicas. Daí a pergunta: Porque o santo não continuou ocupando o lugar de padroeiro? O fragmento citado acima traz uma informação importante para a nossa análise. A referência que se faz à pessoa que organiza a devoção a São Benedito dá-se nos seguintes termos: “pobre velha africana”, ou seja, era uma negra. Santos de larga devoção popular, como demonstram os estudos da professora Maria Aparecida J. Gaeta, estavam na mira da romanização da Igreja católica – esse era o caso de São Benedito, somado a isso Benedita reunia muitos atributos que remetiam ao imaginário da feitiçaria e satanização, categorias que marcaram o embate do universo religioso europeu com o “outro”. Ela era mulher, negra, pobre e líder de um culto religioso, características que fazem vir à tona concepções estereotipadas de culturas de matrizes africanas e, que, por sua vez, passavam distante do modelo tridentino de “ser católico”. Percebe-se, pois, que, a despeito da tentativa de silenciar o preexistente culto a Benedito em relação à Nossa senhora de Lourdes, tanto a existência da capela quanto o culto era fato. Todavia, santos negros terem sido substituídos por santos brancos, não foi um acontecimento restrito à Encruzilhada. Gaeta (1997, p.06) afirma que, a partir da romanização do catolicismo, as devoções que possuíam uma larga expressão popular, como a de São Benedito e a do Divino Espírito Santo, a de Nossa Senhora do Rosário, a de Santa Efigênia, a de santo Elesbão e a dos Reis Magos começaram a ser desqualificadas pelos agentes ultramontanos. Discretamente as imagens eram retiradas dos altares centrais e alojados em capelinhas. A cor é o elemento mais importante para se analisar a relação da sociedade brasileira para com São Benedito, que por um lado, está inserido na cultura dominante – faz parte do panteão católico – e, contraditoriamente, por outro lado, vê-se rechaçado pela elite cristã. O discurso europeu-cristão não conseguira desvencilhar-se dos preconceitos forjados pela cultura européia, principalmente no que se refere à religiosidade, assim como, à construção ideológica da categoria “raça” e, como desdobramento, da hierarquização dessas raças, sendo que, os negros ocupariam os degraus mais inferiores. A noção do supremacismo branco, portanto, transpõe os limites materiais e chega à corte celeste. No nosso caso em específico, importa, sobretudo, pensar como foi possível nas primeiras décadas do século XX São Benedito ter sido preterido em favor de uma santa branca. Mais precisamente, que tipo de memória se evocaria ao admitir São Benedito como padroeiro da cidade? Ao que parece, o ideal de romanização somado a uma concepção de inferiorização do negro na sociedade brasileira oferece bons indicativos para se refletir acerca de tais questionamentos. Mestranda em Memória: Linguagem e Sociedade pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) e graduada em História pela mesma instituição. Bolsista CAPES. e-mail para contato: fabioladearaujo@yahoo.com.br

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