terça-feira, 29 de julho de 2014

A Argentina esgota o prazo para a suspensão de pagamentos

Cristina Kirchner em Caracas, nesta terça-feira. / JORGE SILVA (REUTERS)
Três integrantes do Governo argentino se reuniram nesta terça-feira em Nova York com Daniel Pollack, o mediador designado pelo juiz Thomas Griesa para negociar com os fundos abutres. A reunião foi realizada após o meio-dia, quando restava apenas um dia para o final do prazo fixado para evitar um calote. Era uma daquelas situações em que todos pretendem ter calma, mas o tique-taque do relógio ressoa com estrondo cada vez maior. E o relógio continua avançando impassível para a meia-noite da quarta-feira 30 de julho, quando expira o prazo para o Governo e os fundos litigantes chegarem a um acordo e evitar o calote. De seu escritório nos EUA, Christine Lagarde, diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI) afirmou que o possível calote não teria “consequências externas substanciais (...) uma vez que o país está fora dos mercados financeiros há muito tempo”. E detalhou: “Embora a suspensão de pagamentos seja sempre lamentável, não acreditamos que tenha consequências externas substanciais de maneira geral”. E as consequências internas? Como a possível suspensão poderia afetar a Argentina? O Governo de Cristina Kirchner defendeu a tese de que nada iria acontecer, porque já pagou as dívidas. O problema é que não pagou aos fundos litigantes, aqueles que estão cobrando 1,5 bilhão de dólares (3,3 bilhões de reais). E, até a manhã desta terça-feira, a Argentina não parecia muito disposta a pagar. O mediador do juiz negociava com a procuradora da Fazenda, Angelina Abbona; o secretário de Finanças, Pablo López; e o secretário Jurídico e Administrativo do Ministério da Economia, Federico Thea. Enquanto isso, a presidenta Cristina Kirchner criticava o juiz Griesa em Caracas, onde participava de uma reunião de cúpula do Mercosul. MAIS INFORMAÇÕES Um novo calote argentino vai passar fatura aos exportadores do Brasil A Argentina envia delegados a Nova York para evitar a suspensão de pagamentos Kirchner endurece as negociações do pagamento da dívida a fundos abutres Na Venezuela, Kirchner disse que o juiz Griesa não age de acordo com a lei. “Um juiz deveria ser alguém imparcial entre duas partes, neutro e que decide de acordo com a lei. Não é o que está acontecendo. (...) Autoriza pagar a uns e não a outros. Uma das bases do direito é que, diante de uma mesma situação, tem-se o mesmo direito. Isso não está acontecendo. E foi o que permitiu um colunista do New York Times escrever que as decisões e atuações dessa natureza desacreditam o sistema legal dos EUA. (...) Tentam nos assustar dizendo que, se não fizermos o que dizem, virão as 10 pragas do Egito. Já vivemos as 10 pragas em 2001, quando outro Governo fez exatamente o que ditavam lá de fora”, disse ela. Horas antes, o jornal norte-americano The Wall Street Journal publicou um editorial muito crítico ao Governo argentino: “É temerária a acusação de que os tribunais norte-americanos são corruptos, vindo de um país que pisoteia à vontade sobre os direitos de propriedade. Lembre-se do confisco argentino dos ativos locais da Repsol, a companhia de petróleo espanhola. (...) A Argentina conquistou a posição de país que mais se move para baixo no mundo e agora o Governo Kirchner parece pronto para prejudicar ainda mais sua economia e o bem-estar dos seus cidadãos”. Um juiz deveria ser alguém que é imparcial entre duas partes, neutro e que decide de acordo a lei. Isto não é o que está acontecendo Cristina Kirchner Kirchner e seu Governo desenvolveram uma intensa campanha política para buscar a adesões ao seu ponto de vista. Mas nenhum desses apoios, nem as críticas que tem derramado continuamente contra o juiz Griesa, nem as críticas que o mesmo juiz recebeu de jornais prestigiados como o New York Times e o Financial Times parecem ter tido a menor influência sobre a decisão do magistrado, que por duas vezes rejeitou pedidos do Governo argentino para adiar o cumprimento da sentença. A Argentina continua deixando correr o prazo de negociação, sem que a maioria dos líderes da oposição se mostre especialmente insatisfeita, apenas alguns analistas expressaram surpresa ante a naturalidade com que o país encara uma situação tão anômala. Esse foi o caso de Jorge Fontevecchia, diretor do quinzenal Perfil, que escreveu na edição de sábado 26 de julho: “Talvez na quinta-feira 31 tudo se resolva e a inflexibilidade de Griesa, do Governo e dos holdouts [fundos abutres] ou de algum deles, tenha sido só uma forma de negociar. Em qualquer desses casos, quem tem mais a perder é a Argentina, que mostra um caráter nacional temerário do qual, em alguma medida, todos fazemos parte. Não deve ser coincidência que o país que enfrentou duas hiperinflações possa ser o mesmo a correr o risco de enfrentar dois calotes”. Fontevecchia falou de um “alto limiar de tolerância à angústia forjado ao longo de muitas crises terminais” experimentado pela Argentina. “No fundo é o nosso estado mais normal e no qual temos sobrevivido durante décadas”, afirmou. Cristina Kirchner aumenta a sua imagem positiva no país à medida que tensiona a corda nas declarações contra os abutres. Mas há economistas consultores, como Dante Sica, que defendem o cumprimento os compromissos: “Se você aceitou a regra e o árbitro, agora precisa acatar”, disse Sica em várias ocasiões. E, nesse sentido, também se manifestou o diretor do jornal econômico El Cronista, Fernando González: “Se a opção é o calote (clássico, tático ou como quer que o chamem), as consequências serão ainda piores porque eles voltarão a colocar a Argentina em um clube que nos levou a triplicar os níveis de pobreza: o clube dos países que não respeitam os seus compromissos”.
fonte: EL PAIS

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