sábado, 8 de fevereiro de 2014

Charles Chaplin, cem anos do vagabundo mais querido


Em fevereiro de 1914 apareceu nas telas o vagabundo profissional mais famoso da história do cinema. Nasceu entre a fuligem de Londres de 1889, no ano em que o filho de Sisi e Francisco José de Habsburgo se suicidou. O canto de dois séculos turbulentos, quando as crises europeias empurravam a emigração a América. Charles Chaplin nos mostraria seu ritual azarado em Imigrante (1917). O cômico fugitivo judeu dos subúrbios londrinos, do abrigo, dos problemas familiares, da loucura materna, parou em Hollywood em 1914 e, em seus três primeiros curta-metragens compõe sua iconografia de tramp, de vagabundo, com ecos de Dickens de Oliver Twist, da malandragem de Henry Fielding e do teatro de pantomima. Sua composição é uma verdadeira paródia: adota o chapéu-coco e a bengala próprios da burguesia, o bigodinho dos galãs sedutores, mas seus sapatões bagunçados e suas calças esfarrapadas evidenciam sua contradição. É o ano em que Freud publica Introdução ao narcisismo. Anti-herói grotesco, inventa uma linguagem corporal que torna a palavra desnecessária e se permite às vezes a heresia dramática de olhar à câmera, isto é, ao público, para ativar sua empatia. Logo inaugura sua famosa voltinha ao virar uma esquina, geralmente fugindo de um policial ou de um jagunço: para ele são a mesma coisa. Nos Estados Unidos se tornou rapidamente o familiar Charlie, Carlitos na América Latina e Charlot na França e Espanha. A poética da marginalização suburbana, que nos conduzirá ao romance Tortilla Flat (1935), de John Steinbeck, nasce no ano da Primeira Guerra por obra de Carlitos, o anti-herói da periferia e marginalizado que nos faz rir, porque executa as irreverências e estragos que todos gostaríamos de provocar alguma vez. Mas também nos comove, exercendo de um pai ao que arrebatam seu filho adotivo no filme O Garoto (1921). Ou buscando o amor nos olhos de Mabel Normand, sua colega habitual. O mundo intelectual se rende diante dele: Gómez da Serna fala de “Charlotismo” e Francisco Ayala o define como “o homem que sobra” das ruas e dos cais. E, a pesar das muitas mutações, seu bigodinho permanecerá inalterável até que se confunda com o de Hitler na tragicomédia do Grande ditador (1941).

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