quinta-feira, 31 de julho de 2014

“É mais barato o Brasil ajudar a Argentina agora do que sofrer depois”


Cristina Kirchner e o seu ministro da Economia, Axel Kiciloff / DAVID FERNÁNDEZ (EFE)
Principal parceiro comercial da Argentina, o Brasil deveria assumir um protagonismo maior diante da crise do país vizinho, que ganhou contornos dramáticos durante a negociação com os fundos abutres, afirmam os especialistas ouvidos pelo EL PAÍS. Apesar de o ministro da Fazenda, Guido Mantega, ter classificado, nesta quinta-feira, o impacto do calote argentino no curto prazo como “nulo”, os exportadores brasileiros continuam apreensivos com uma previsível queda na demanda pelos seus produtos, em meio a um cenário de forte desvalorização cambial e queda da atividade entre os hermanos. A diplomacia brasileira e o Ministério da Fazenda deveriam sair a campo para encontrar uma alternativa, segundo Roberto Gianetti da Fonseca, presidente do Conselho de Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). “Assim como os Estados Unidos ajudaram o México em 1995, e a Alemanha estendeu a mão para outros países da União Europeia na crise de 2009, cabe ao Brasil um papel de protagonista e mediador nesta situação atual”, avalia. “É mais barato ajudar a Argentina agora do que sofrer com a eventual crise que ela virá a sofrer depois deste momento”, completa. Para Fonseca, é preciso mais do que discursos apoiando o Governo de Cristina Fernández de Kirchner nesta queda de braço com os credores internacionais. “Não sei a fórmula, mas o Brasil tem de encontrar uma forma criativa de resolver o problema, para ajudar a terminar o impasse em Nova York”, diz. “Agora é necessário ter essa confiança de líder regional para não deixar a Argentina entrar em default”, explica. MAIS INFORMAÇÕES A Argentina entra em um calote seletivo, ainda que o Governo negue Um novo calote argentino vai passar fatura aos exportadores do Brasil "Dizer que estamos em default é uma bobagem atômica" A Argentina se debate entre a queda e a recuperação José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), segue a mesma linha. Segundo ele, o país poderia oferecer, a princípio, uma linha de crédito entre governos, porque no âmbito empresarial as limitações de liquidez seriam maiores. O objetivo inicial seria estancar os efeitos nocivos que o calote teria nas relações comerciais bilaterais. Os hermanos são atualmente os terceiros maiores parceiros comerciais brasileiros. De janeiro a junho deste ano, as exportações brasileiras para a Argentina recuaram 20% ante o mesmo período de 2013 –a participação do país vizinho no total das vendas brasileiras ao exterior chegou a 6,7%, ante os 8,1% registrados nos primeiros seis meses do ano passado. A fim de pagar os seus credores e suprir as suas necessidades de financiamento, o Governo argentino se viu contra as cordas nos últimos anos, tendo de restringir as compras de produtos de outros países e gerar superávit –quando o valor arrecadado nas vendas ao exterior superam as importações. Para piorar ainda mais as perspectivas, nesta quinta-feira uma segunda agência de classificação de risco rebaixou a nota argentina. A Fitch se juntou à Standard & Poor's e colocou os hermanos em situação de ‘default restrito’, refletindo o vencimento do prazo para que Buenos Aires chegasse a um acordo com os credores que se recusaram a negociar a dívida com descontos. “Não podemos deixar de levar em consideração o papel que a Argentina tem nas relações comerciais com o Brasil, na condição de segunda força do Mercosul, e assim evitaríamos ainda a abertura de mais uma porta ao concorrente”, acrescentou Castro, em referência direta à crescente presença chinesa na América Latina. Ainda de acordo com o presidente da AEB, não seria nada impossível um cenário em que Pequim ajudasse a financiar a Argentina, roubando espaço do Brasil nessa relação. “O país asiático quer entrar cada vez mais na região e poderia condicionar isso à compra de seus produtos”, avalia. “Isso dificultaria ainda mais o nosso comércio”, acrescenta. Esse papel, consequentemente, seria desempenhado pelo Brasil. Já segundo o argentino Roberto Troster, ex-economista-chefe da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), diferente do que ocorre com a maior parte das nações, as transações comerciais entra a Argentina e o Brasil são feitas por um mecanismo de compensação das moedas locais e não em dólar. Portanto, neste momento em que a Argentina enfrenta problemas em divisas norte-americanas – que devem prejudicar as importações de outras nações – as empresas brasileiras podem suprir o mercado do país vizinho. “É uma janela de oportunidades para as empresas brasileiras”, avalia Troster. Até a véspera do anúncio do calote, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) confiava no sucesso da negociação entre os argentinos e os fundos abutres terminassem como êxito. “A Argentina é um mercado essencial para o Brasil, representa mais de 20% do que nós (o setor industrial) exportamos”, declarava José Augusto Coelho Fernandes, diretor de Política de Planejamento e Estratégias da entidade. As empresas, no entanto, já se preparavam para as consequências do calote, de acordo com Fernandes. Entre os riscos, além da queda das vendas ao país vizinho, calculam eventuais problemas de recebimento de produtos já exportados. “As empresas estão sempre avaliando os cenários de riscos, como este. Isto faz parte do jogo”, comenta o dirigente da CNI.
Fonte: el pais

A Argentina esgota o prazo de negociação sem acordo com os fundos abutres

O ministro da Economia argentino, Axel Kicillof. / JASON SZENES (EFE)
A coreografia era confusa e perfeita ao mesmo tempo. Por um lado, o Governo argentino esgotou o mês de prazo concedido pelo juiz Thomas Griesa para conseguir um acordo com os três fundos abutres que exigiam o pagamento de 1,5 bilhão de dólares. Com isso, a Argentina estava destinada à suspensão dos pagamentos, o chamado default. Seria o segundo desde 2002. Embora os efeitos não pareçam tão traumáticos como os daquela ocasião, sempre se sabe como se entra em um default, mas não como se sai dele. No entanto, o Governo argentino não pareceu em nenhum momento temer as consequências. Depois de seis horas de reunião no escritório em Nova York do mediador designado pelo juiz Thomas Griesa, o ministro da Economia, Axel Kicillof, saiu nesta quarta-feira com o polegar levantado. O polegar estava na tônica com o que os mercados imaginavam no decorrer do dia: que haveria acordo. Falava-se da intervenção dos bancos privados argentinos. MAIS INFORMAÇÕES A Argentina negocia contra o relógio para evitar o calote As chaves para entender o conflito judicial da dívida argentina Um novo calote argentino vai passar fatura aos exportadores do Brasil Mas a agência de classificação de risco Standard & Poor’s abaixou o polegar e declarava naquele momento uma “suspensão de pagamento seletiva”. Poucos minutos depois, Kicillof declarava em uma coletiva de imprensa no consulado argentino em Nova York: “Mas quem acredita nas agências de crédito?”. Enquanto Kicillof respondia às perguntas, o advogado mediador Daniel Pollack designado por Griesa divulgou um comunicado onde afirmava: “A Argentina entrará de forma iminente em uma suspensão de pagamentos”. E acrescentou: “Não é uma mera condição técnica, mas um evento real e doloroso que prejudicará as pessoas, incluindo os cidadãos argentinos, os detentores de bônus renegociados e aos chamados investidores holdout. O cidadão comum argentino será a última vítima e real. As consequências totais do default não são previsíveis, mas certamente não são positivas”, acrescentou. Kicillof mostrou sua surpresa na coletiva de imprensa quando uma jornalista o questionou sobre as declarações do mediador: “Estou surpreso, infelizmente surpreso por esse comunicado. Parece escrito para favorecer uma das partes”, afirmou. Pouco depois, outro jornalista perguntou a Kicillof sobre o assunto que havia sido especulado durante todo o dia: a possível intervenção das 27 entidades financeiras que integram a Associação de Bancos Privados de Capital Argentino (Adeba). Kicillof negou a falência anunciada pela agência S&P Teoricamente, essas instituições teriam oferecido aos chamados fundos abutres uma garantia milionária para que os fundos queixosos solicitassem ao juiz a suspensão da sentença. Mas Kicillof disse também que se inteirou pelos jornais dessas tentativas. E salientou que não houve acordo. Com isso, o precipício da suspensão de pagamentos parecia mais próximo, embora Kicillof se negue a chamá-la dessa forma. “Default técnico…, default seletivo…, não sei, porque ninguém sabe caracterizá-lo. Porque é novo. Falo com a letra dos contratos. E os contratos falam de quando se incorre em default. E esta situação não está lá. (…) Default é não pagar”, afirmou. Mas, assim que terminou a entrevista, o jornal econômico argentino Ámbito Financeiro titulava que já havia um acordo entre os bancos argentinos e os fundos abutres, e que a suspensão de pagamentos seria efêmera, porque os banqueiros argentinos pagariam aos abutres 100% da dívida, ou seja, entre 1,5 bilhão e 1,6 bilhão de dólares. Se for assim, o baile terá sido tão confuso como perfeito. O Governo lava as mãos perante qualquer acordo entre particulares, e assim não teria que responder judicialmente ante as possíveis exigências de outros credores para também receberem 100% da dívida contraída. O Governo da Argentina tinha o compromisso de pagar antes de 30 de junho 539 milhões de dólares a portadores de títulos que aceitaram uma redução no pagamento da dívida durante as reestruturações de 2005 e 2010. E o Governo argentino enviou esse dinheiro em depósito ao Bank of New York Mellon. Mas Griesa não permitiu que esses 539 milhões fossem saldados antes dos pagamentos de 1,5 bilhão de dólares aos dois fundos litigantes (1,33 bilhão mais juros). Griesa concedeu um período de carência de um mês, que se esgotou na quarta-feira. Em uma entrevista coletiva abarrotada, em que alguns jornalistas chegaram inclusive a aplaudir, Kicillof atacou duramente o juiz Griesa, conforme informa Vicente Jiménez de Nova York. O ministro concluiu: “Quero deixar muito claro o que vamos fazer: não vamos assinar nenhum compromisso que comprometa o futuro dos argentinos. Vamos defender a troca com 92% dos portadores de títulos. Vamos tomar todas as medidas e ações com base em nossos contratos e no direito internacional para que esta situação insólita não continue. Vamos procurar uma solução justa, equitativa e legal para 100% dos nossos credores.” O baile continuava sendo confuso, amalucado e perfeito… Desde que a suspensão de pagamentos seja afinal “efêmera” e não deixe milhões de pessoas prejudicadas no caminho.

quarta-feira, 30 de julho de 2014

Os policiais brasileiros querem desmilitarizar a instituição

Policiais militares durante um protesto em São Paulo no mês de março. / BOSCO MARTÍN
Marcos é um policial militar de São Paulo. Adriano é policial federal no Rio Grande do Sul. E Gilson atua na Polícia Civil de Mato Grosso. Apesar de trabalharem em instituições e Estados diferentes, os três fazem parte de um grupo que até então não tinha dado as caras na segurança pública brasileira, o de agentes insatisfeitos com o atual modelo de policiamento e que defendem a desmilitarização da polícia brasileira. MAIS INFORMAÇÕES A polícia quer reescrever a sua história A polícia brasileira mata cinco pessoas a cada dia “Bandido que mexe com polícia acaba assim” Bombas de gás e spray nos olhos: é assim que a polícia reage aos protestos Uma pesquisa divulgada em São Paulo, nesta quarta-feira, pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostra que 73,7% dos policiais brasileiros são a favor da desvinculação da polícia dos meios militares. Até a maioria dos policiais militares (76,3%) querem a desmilitarização da corporação. Quase a metade do total dos que querem as mudanças se concentra entre duas propostas: 21,8% defendem que a PM e a Polícia Civil se unifiquem formando uma instituição de ciclo completo e 27,1% quer a criação de uma nova polícia com carreira única. Na prática isso quer dizer que os policiais do Brasil querem uma reestruturação de suas carreiras para aperfeiçoar o combate ao crime e acabar com as brigas internas entre as corporações. “Cansei de ver bandido ser solto porque as provas coletadas pelos policiais militares foram mal aproveitadas no inquérito da Polícia Civil. As picuinhas entre as duas corporações nos impediram de ajudar mais na investigação”, reclama o PM Marcos. “Cansei de ver casos em que a PM prende, acusa e julga um traficante e quer que nós, policiais civis, acreditemos na versão deles. Isso não pode continuar. A desconfiança tem de acabar”, acrescenta o policial Gilson. 38,7% dos policiais disseram estar descontentes com a profissão que escolheram Atualmente , cabe as 27 Unidades da Federação definirem como será o seu policiamento. E cada Estado tem duas polícias, a Militar, que atua na repressão, no policiamento ostensivo, e a Civil, responsável pela investigação da maior parte dos delitos, como homicídios, roubos, furtos e sequestros. Ocorre que, como citado pelos policiais Marcos e Gilson, em muitas ocasiões as polícias não se conversam e acabam atrapalhando o combate à criminalidade. Sua estrutura de promoção de funcionários, de escala de trabalho, de treinamento e de repressão ao crime é muito diferente uma da outra. Quando se fala de carreira única, quer dizer que um policial que hoje é guarda de trânsito um dia pode chegar a comandar a instituição. O que, nos dias de hoje, é quase impossível levando em conta os sistemas de promoção internos. Para um dos responsáveis pela pesquisa, o sociólogo e pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Renato Sérgio de Lima, os resultados são um “sinal claro de que o Brasil precisa avançar na agenda da desmilitarização e reforma das forças de segurança”. O levantamento divulgado pelo Fórum ouviu 21.101 policiais civis, militares, federais, rodoviários federais e bombeiros. Parte deles, 38,7%, demonstrou também estar descontente com a profissão que escolheram e não optariam por ela caso pudessem voltar no tempo. Além disso, 99% reclamam que recebem baixos salários e 98% dizem que sua formação dentro da polícia é deficiente. “Já vi colegas que passam por treinamentos fast food e não sabem nada da teoria e nada de prática. Dá medo ficar ao lado desse colega, vai que ele falha na hora em que mais precisamos dele”, relata o policial Adriano. Propostas A desmilitarização da polícia é um tema que há ao menos 15 anos tem sido discutida entre militantes de direitos humanos e agentes de segurança. No último ano ganhou força graças à repressão policial durante os protestos que ocorreram a partir de junho de 2013. Atualmente há ao menos três projetos de lei, todos na forma de emendas constitucionais, tramitando no Congresso Nacional. O que está mais avançado é a PEC 51, de autoria do senador Lindbergh Farias, do PT do Rio de Janeiro. Se a proposta for aprovada, além de mudar a atual estrutura das polícias transformando-as em completamente civis, haverá uma maior participação da União e dos municípios na segurança pública (criando polícias metropolitanas e municipais) e um fortalecimento dos mecanismos de controle externo dos policiais, segundo o autor do projeto. Parte dos críticos da PEC 51 argumenta que a criação de polícias metropolitanas ou municipais só traria mais problemas e maiores gastos aos cofres públicos. O projeto ainda não tem data para ser votado. 40 casos de torturas praticadas por policiais e agentes A. B. Um recente estudo da ONG Humans Rights Watch identificou 64 casos de agressões cometidas por forças de segurança no Brasil. O levantamento analisou ocorrências de prisões nos últimos quatro anos. Conforme a pesquisa da ONG, em 40 destes casos, há convincentes evidências de que o abuso subiu para o nível de tortura cometida por policiais ou agentes penitenciários contra pessoas que estavam sob sua custódia. A investigação da HRW identificou 150 culpados pelas agressões em cinco Estados: São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Espírito Santo e Paraná. Os abusos ocorreram nas ruas, dentro de viaturas policiais, em casas particulares, em delegacias de polícia e em penitenciárias. As vítimas, que eram supostos criminosos presos em flagrante, foram espancadas, ameaçadas física ou sexualmente, submetidas a choques elétricos ou a sufocamento com sacos plásticos. As agressões foram cometidas para obter falsas confissões ou para entregar algum outro suposto criminoso. Em um informe divulgado à imprensa, a ONG destacou que muitos dos presos levam meses para terem acesso a um juiz e relatar que foi torturado ou agredido, quando o correto, segundo a legislação, seria apresentá-lo ao juízo em até 24 horas. Nesta semana, a HRW enviou uma carta ao Congresso Nacional alertando para a gravidade da questão e cobrando um posicionamento das autoridades brasileiras.
Fonte: el pais

A Argentina tem apenas hoje para evitar a suspensão de pagamento

O ministro de Economia da Argentina, Axel Kicillof, chega ao escritório do mediador Daniel Pollack, ontem pela tarde, em Manhattan. / DON EMMERT (AFP)
A Argentina esperou até o último dia do mês extra, com o qual contava, para evitar o calote. O ministro da Economia, Axel Kicillof, viajou na terça-feira de surpresa a Nova York para liderar uma delegação de três membros de sua equipe que tinham se reunido pela manhã com o advogado Daniel Pollack, o mediador designado pelo juiz Thomas Griesa para interceder entre o Executivo argentino e os fundos de investimento. Participaram do encontro os representantes dos fundos litigantes, também chamados de holdouts ou fundos abutre. E, finalmente, Kicillof pode falar pela primeira vez frente a frente com eles. Kicillof saiu da reunião à meia-noite, depois de quatro horas e meia de conversa, e anunciou que as negociações se prolongariam até o dia seguinte, esta quarta-feira, 30 de julho. "Continuamos trabalhando. Com toda a seriedade da questão. Como os senhores entenderão, não posso dar informações", indicou. Havia motivos para alimentar esperanças de que estava mais próximo do que nunca um acordo que evitasse o calote. Mas após as declarações de Kicillof, o mediador Daniel Pollack emitiu um comunicado no qual afirmou: "Os temas que dividem as partes continuam sem solução". Com isso, tudo dependerá do que for discutido nesta quarta-feira. Ninguém deseja o calote. Nem o juiz, que já alertou os advogados do Governo argentino de que os principais prejudicados serão os cidadãos comuns e não os abutres; nem os próprios fundos abutre, que poderão acabar vendo como se posterga indefinidamente seu objetivo de receber 1,5 bilhão de dólares em litígio (3,3 bilhões de reais); nem o Governo argentino, porque por mais que o calote não seja tão traumático como o que ocorreu em meio à crise de 2001, sempre paira a ameaça de que se sabe como entrar em um calote, mas nunca como se sai dele. E no melhor dos casos, o calote agravaria os problemas de uma economia que já está em recessão e com sérias dificuldades para conseguir investimento estrangeiro. Ninguém quer o calote, mas talvez ninguém queira se esforçar demais para evitá-lo. MAIS INFORMAÇÕES Um novo calote argentino vai passar fatura aos exportadores do Brasil A Argentina envia delegados a Nova York para evitar a suspensão de pagamentos Kirchner endurece as negociações do pagamento da dívida a fundos abutres Conforme a reunião de Kicillof com o mediador avançava, a maior parte da imprensa argentina informava que o ministro da Economia tinha viajado a Nova York com uma proposta na manga: a Associação de Bancos Privados de Capital Argentino (Adeba) ofereceria aos fundos litigantes 250 milhões de dólares (558 milhões de reais) como garantia. Assim, os fundos abutre poderiam pedir uma moratória ao juiz para que adie sua sentença até janeiro de 2015. Segundo essa teoria, todos sairiam ganhando: os fundos abutre ganhariam dinheiro – 250 milhões dos 1,5 bilhão que reivindicam – e o Governo ganharia tempo. Tempo até janeiro de 2015, quando vence a cláusula RUFO (Rights Upon Future Offers), assinada pelos credores que aceitaram reduções no valor de suas dívidas durante as reestruturações de 2005 e 2010. Essa cláusula permitiria a esses investidores exigir as mesmas condições de cobrança que os abutres – ou seja, o pagamento integral das dívidas que o Governo contraiu com eles – se o Governo pagá-los antes de janeiro de 2015, quando expira a cláusula. Mas Kicillof não desmentiu nem confirmou nada. Kicillof fez uma viagem surpresa de Caracas a Nova York. Na terça-feira de manhã, o ministro estava com a presidenta Cristina Fernández de Kirchner na cúpula do Mercosul realizada na Venezuela. Ao meio-dia, três membros de sua equipe iniciavam uma reunião com Daniel Pollack em Nova York. Um juiz deveria ser alguém que é imparcial entre duas partes, neutro e que decide de acordo a lei. Isto não é o que está acontecendo Cristina Kirchner A reunião terminou às 16h (horário de Brasília). E às 19h35 Kicillof chegava ao escritório de Pollack em Manhattan. O ministro vinha acompanhado dos três funcionários que haviam negociado durante a manhã. Era uma daquelas situações em que todos buscam incutir calma, mas o tique-taque do relógio soa cada vez mais alto. E o relógio continuava avançando em direção a meia-noite de quarta-feira 30 de julho, quando expira o mês de carência para que o Governo e os litigantes cheguem a um acordo. A viagem de Kicillof a Nova York anunciava um final feliz. Mas também havia indícios que levavam a pensar o contrário. Horas antes de Kicillof aterrissar em Nova York, Cristina Fernández de Kirchner criticava o juiz. "Que ideia temos todos de um juiz? De alguém que é imparcial entre duas partes e é neutro em relação às partes e decide de acordo com a lei. Não é isto que está acontecendo". O Governo deixou esgotar o prazo de 30 dias de carência para conseguir um acordo. Os líderes da oposição não se mostraram particularmente contrários à estratégia do governo. No entanto, alguns analistas expressaram surpresa ante a naturalidade com que o país encara uma situação tão delicada. Esse foi o caso de Jorge Fontevecchia, diretor do quinzenal Perfil, que escreveu na edição de sábado 26 de julho: "Talvez na quinta-feira 31 tudo se resolva e a inflexibilidade de Griesa, do Governo e dos holdouts [fundos abutre] ou de algum deles, tenha sido só uma forma de negociar. Em qualquer caso, quem tem mais a perder é a Argentina, que mostra um caráter nacional temerário do qual, em alguma medida, todos fazemos parte. Não deve ser coincidência que o país que enfrentou duas hiperinflações possa ser o mesmo a correr o risco de enfrentar dois calotes". Fontevecchia falou de um "alto limiar de tolerância à angústia forjado ao longo de muitas crises terminais" experimentada pela Argentina. "No fundo é o nosso estado mais normal e no qual temos sobrevivido durante décadas", afirmou. Cristina Fernández fortaleceu sua imagem positiva no país à medida que foi tensionando a corda nas declarações contra os abutres. A maior parte do país ficou do seu lado. Mas há economistas consultores, como Dante Sica, que defendem o cumprimento os compromissos: "Se você aceitou a regra e o árbitro, agora precisa acatar", disse Sica em várias ocasiões. E, nesse sentido, também se manifestou o diretor do jornal econômico El Cronista, Fernando González: "Se a opção é o calote (clássico, tático ou como quer que o chamem), as consequências serão ainda piores porque eles voltarão a colocar a Argentina em um clube que nos levou a triplicar os níveis de pobreza: o clube dos países que não respeitam os seus compromissos".

terça-feira, 29 de julho de 2014

A Argentina esgota o prazo para a suspensão de pagamentos

Cristina Kirchner em Caracas, nesta terça-feira. / JORGE SILVA (REUTERS)
Três integrantes do Governo argentino se reuniram nesta terça-feira em Nova York com Daniel Pollack, o mediador designado pelo juiz Thomas Griesa para negociar com os fundos abutres. A reunião foi realizada após o meio-dia, quando restava apenas um dia para o final do prazo fixado para evitar um calote. Era uma daquelas situações em que todos pretendem ter calma, mas o tique-taque do relógio ressoa com estrondo cada vez maior. E o relógio continua avançando impassível para a meia-noite da quarta-feira 30 de julho, quando expira o prazo para o Governo e os fundos litigantes chegarem a um acordo e evitar o calote. De seu escritório nos EUA, Christine Lagarde, diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI) afirmou que o possível calote não teria “consequências externas substanciais (...) uma vez que o país está fora dos mercados financeiros há muito tempo”. E detalhou: “Embora a suspensão de pagamentos seja sempre lamentável, não acreditamos que tenha consequências externas substanciais de maneira geral”. E as consequências internas? Como a possível suspensão poderia afetar a Argentina? O Governo de Cristina Kirchner defendeu a tese de que nada iria acontecer, porque já pagou as dívidas. O problema é que não pagou aos fundos litigantes, aqueles que estão cobrando 1,5 bilhão de dólares (3,3 bilhões de reais). E, até a manhã desta terça-feira, a Argentina não parecia muito disposta a pagar. O mediador do juiz negociava com a procuradora da Fazenda, Angelina Abbona; o secretário de Finanças, Pablo López; e o secretário Jurídico e Administrativo do Ministério da Economia, Federico Thea. Enquanto isso, a presidenta Cristina Kirchner criticava o juiz Griesa em Caracas, onde participava de uma reunião de cúpula do Mercosul. MAIS INFORMAÇÕES Um novo calote argentino vai passar fatura aos exportadores do Brasil A Argentina envia delegados a Nova York para evitar a suspensão de pagamentos Kirchner endurece as negociações do pagamento da dívida a fundos abutres Na Venezuela, Kirchner disse que o juiz Griesa não age de acordo com a lei. “Um juiz deveria ser alguém imparcial entre duas partes, neutro e que decide de acordo com a lei. Não é o que está acontecendo. (...) Autoriza pagar a uns e não a outros. Uma das bases do direito é que, diante de uma mesma situação, tem-se o mesmo direito. Isso não está acontecendo. E foi o que permitiu um colunista do New York Times escrever que as decisões e atuações dessa natureza desacreditam o sistema legal dos EUA. (...) Tentam nos assustar dizendo que, se não fizermos o que dizem, virão as 10 pragas do Egito. Já vivemos as 10 pragas em 2001, quando outro Governo fez exatamente o que ditavam lá de fora”, disse ela. Horas antes, o jornal norte-americano The Wall Street Journal publicou um editorial muito crítico ao Governo argentino: “É temerária a acusação de que os tribunais norte-americanos são corruptos, vindo de um país que pisoteia à vontade sobre os direitos de propriedade. Lembre-se do confisco argentino dos ativos locais da Repsol, a companhia de petróleo espanhola. (...) A Argentina conquistou a posição de país que mais se move para baixo no mundo e agora o Governo Kirchner parece pronto para prejudicar ainda mais sua economia e o bem-estar dos seus cidadãos”. Um juiz deveria ser alguém que é imparcial entre duas partes, neutro e que decide de acordo a lei. Isto não é o que está acontecendo Cristina Kirchner Kirchner e seu Governo desenvolveram uma intensa campanha política para buscar a adesões ao seu ponto de vista. Mas nenhum desses apoios, nem as críticas que tem derramado continuamente contra o juiz Griesa, nem as críticas que o mesmo juiz recebeu de jornais prestigiados como o New York Times e o Financial Times parecem ter tido a menor influência sobre a decisão do magistrado, que por duas vezes rejeitou pedidos do Governo argentino para adiar o cumprimento da sentença. A Argentina continua deixando correr o prazo de negociação, sem que a maioria dos líderes da oposição se mostre especialmente insatisfeita, apenas alguns analistas expressaram surpresa ante a naturalidade com que o país encara uma situação tão anômala. Esse foi o caso de Jorge Fontevecchia, diretor do quinzenal Perfil, que escreveu na edição de sábado 26 de julho: “Talvez na quinta-feira 31 tudo se resolva e a inflexibilidade de Griesa, do Governo e dos holdouts [fundos abutres] ou de algum deles, tenha sido só uma forma de negociar. Em qualquer desses casos, quem tem mais a perder é a Argentina, que mostra um caráter nacional temerário do qual, em alguma medida, todos fazemos parte. Não deve ser coincidência que o país que enfrentou duas hiperinflações possa ser o mesmo a correr o risco de enfrentar dois calotes”. Fontevecchia falou de um “alto limiar de tolerância à angústia forjado ao longo de muitas crises terminais” experimentado pela Argentina. “No fundo é o nosso estado mais normal e no qual temos sobrevivido durante décadas”, afirmou. Cristina Kirchner aumenta a sua imagem positiva no país à medida que tensiona a corda nas declarações contra os abutres. Mas há economistas consultores, como Dante Sica, que defendem o cumprimento os compromissos: “Se você aceitou a regra e o árbitro, agora precisa acatar”, disse Sica em várias ocasiões. E, nesse sentido, também se manifestou o diretor do jornal econômico El Cronista, Fernando González: “Se a opção é o calote (clássico, tático ou como quer que o chamem), as consequências serão ainda piores porque eles voltarão a colocar a Argentina em um clube que nos levou a triplicar os níveis de pobreza: o clube dos países que não respeitam os seus compromissos”.
fonte: EL PAIS

Um novo calote argentino vai passar fatura aos exportadores do Brasil

Cristina Kirchner e Dilma Rousseff em Caracas. / ARIANA CUBILLOS (AP)
A apreensão pelo fim do prazo para que a Argentina consiga evitar um novo calote também é vivida intensamente no Brasil, o seu principal parceiro comercial. Com a confirmação da fama de mau pagador, buscar dólares no exterior para financiar as suas importações –e as consequentes exportações brasileiras– seria uma tarefa ainda mais difícil para os argentinos, depois de anos fora dos mercados internacionais em recuperação a outro calote, de 2001. “O cenário é muito difícil”, avalia José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). “A medida (o calote) afetaria todos os países, mas principalmente o Brasil. A demanda pelos produtos brasileiros possivelmente cairia muito, em um ambiente de forte desvalorização cambial e queda da atividade na Argentina”, emenda. De janeiro a junho deste ano, as exportações brasileiras para a Argentina caíram 20% ante o mesmo período de 2013 –a participação do país vizinho no total das vendas brasileiras ao exterior chegou a 6,7%, ante os 8,1% registrados nos primeiros seis meses do ano passado. A compra de produtos argentinos pelo Brasil também caiu, praticamente na mesma proporção. Os hermanos são atualmente os terceiros maiores parceiros comerciais brasileiros. Dante Sica, diretor da consultoria Abeceb e ex-secretário argentino da Indústria, reforça as preocupações dos exportadores brasileiros. “São totalmente justificadas”, diz. “Buenos Aires tem subestimado muito o impacto do default. Vai haver um agravamento dos problemas atuais, com mais restrições às importações.” De acordo com dados da própria Abeceb, um cenário de calote faria com que a economia argentina encerrasse o ano com uma queda de 3,5% na atividade, uma inflação anual de 41% e uma retração de 3,8% do consumo. A fim de pagar os seus credores e suprir as suas necessidades de financiamento, o Governo argentino se viu contra as cordas nos últimos anos, tendo de restringir as compras de produtos de outros países e gerar superávit –quando o valor arrecadado nas vendas ao exterior superam as importações. O comércio com o Brasil assistiu a um processo lento de esvaziamento, em um cenário de maior restrição às compras e escassez crescente de reservas internacionais. A Argentina tem até esta quarta-feira para chegar a um acordo com os "fundos abutres", como são conhecidos os credores internacionais que exigem cobrar em sua totalidade a dívida não paga pelo país em 2002 e não aceitaram um abatimento de 65% no valor a ser desembolsado por Buenos Aires. As últimas horas nesta terça podem ser marcadas por intensas negociações entre as partes, com a presidenta argentina Cristina Fernández de Kirchner em busca ainda de mais apoio político internacional à causa em uma cúpula do Mercosul, em Caracas. Segundo Castro, o calote viria em um momento em que Buenos Aires até começava a retornar aos mercados de forma tímida, principalmente com o pagamento de parcelas aos credores internacionais que integram o chamado Clube de Paris. “Voltaria tudo à estaca zero. Os argentinos teriam de recuperar duplamente a confiança, depois de ficarem fora do mundo desde 2001. Se o preço das commodities despencar, então, a situação fica insustentável.” As commodities respondem por quase a metade da receita das vendas ao exterior argentinas. Um setor que já vem sentindo o esfriamento nessas relações é o automotivo, que tem 80% de suas vendas externas destinadas ao país vizinho. O Governo de Cristina Kirchner chegou a anunciar uma barreira de quase 30% à importação de veículos leves fabricados no Brasil durante o primeiro trimestre deste ano, a fim de conter a fuga de divisas internacionais de seu território. De janeiro a junho deste ano, o total de exportações automotivas brasileiras caiu 35% em relação ao mesmo período de 2013, revelando o impacto causado pela crise no país vizinho. A expectativa, no entanto, é de que a renovação de um acordo bilateral para o setor em junho passado possa aliviar o peso de um eventual calote argentino. No pacto, há uma cota a ser obedecida: a cada dólar comprado em bens automotivos do país vizinho sem imposto, o Brasil poderá exportar no máximo 1,5 dólar também sem a cobrança. Outro setor impactado é o calçadista, que tem na Argentina o segundo maior destino de seus produtos, atrás apenas dos Estados Unidos. “É difícil imaginar como ficará o comércio bilateral depois de quarta-feira”, lamenta Heitor Klein, presidente-executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados). “A continuar no ritmo atual de embarques, podemos fechar o ano com uma queda para a Argentina de até 50% em relação a 2013”, completa. “Caso esse panorama se mantenha ou piore, certamente teremos outros desdobramentos”, resume Klein, sem detalhar ainda os possíveis impactos na atividade ou no emprego. As próximas horas serão mesmo tensas também deste lado do Mercosul. O fator China Há tempos na mira dos exportadores brasileiros por causa de supostas vantagens na competição pelas vendas de seus produtos no mercado internacional, os chineses poderiam assumir um papel de maior protagonismo na região com um novo calote argentino. “Não seria nada impossível um cenário em que a China ajudasse a financiar a Argentina. O país asiático quer entrar cada vez mais na América Latina e poderia condicionar isso à compra de seus produtos”, avalia Castro. “Isso dificultaria ainda mais o nosso comércio”, acrescenta. Alguns setores no Brasil, como o próprio calçadista e o manufatureiro em geral, têm sofrido na disputa por espaço com Pequim no mercado do país vizinho nos últimos anos. Enquanto observa um forte recuo na exportação para o mercado argentino, a Abicalçados comenta que os chineses incrementaram em 11% os seus embarques para Buenos Aires.
FONTE: EL PAIS

Exatamente 20 anos atrás, Brasil perdia o humorista Mussum


Há exatos 20 anos, o Brasil perdia um dos seus principais humoristas. Antônio Carlos Bernardes Gomes, o Mussum, morreu no dia 29 de julho de 1994, mas seus bordões e piadas continuam na boca do povo. Filho de uma empregada doméstica, Mussum nasceu em 1941 no Morro da Cachoeirinha, zona norte do Rio. Educado em um colégio interno e depois em um quartel, o comediante chegou a ser recruta da Aeronáutica antes de chegar aos palcos.

Frequentador das rodas de samba da Mangueira, Mussum começou sua carreira na música. Ele foi um dos fundadores d'Os Originais do Samba, onde tocava reco-reco. Com o sucesso do grupo, ele conheceu celebridades da época, como Elis Regina, Elza Soares, Jair Rodrigues e o ator Grande Otelo - que o apelidou de Mussum. A relação com Chico Anysio lhe incentivou a adotar seu linguajar próprio, colocando os 'is' nos finais das palavras. E em 1973, a convite de Dedé Santana e Renato Aragão, ele entra para Os Trapalhões e abandona a carreira na música. Com a trupe, Mussum encarna o famoso personagem boêmio e participa do programa de TV até sua morte, produzindo também mais quase 30 filmes e 10 discos do grupo. Mesmo depois de sua morte, Mussum ainda mantém o sucesso através das gerações, principalmente com a internet, onde é personagem recorrente nos memes das redes sociais.

segunda-feira, 28 de julho de 2014

Benjamin Netanyahu: “Não existe uma guerra mais justa do que esta”

Benjamin Netanyahu, na terça-feira em Tel Aviv. / DAN BALILTY (AP)
Nem trégua não declarada, nem calma por calma, nem um dia mais de pausa humanitária... O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, abandonou nesta segunda-feira a linguagem dos últimos dias e voltou a defender ardorosamente a ofensiva contra Gaza. Em um discurso transmitido pela televisão para todo o país, defendeu que "não há guerra mais justa que essa", mudando sua fala recente ao usar a palavra maldita: guerra. Confirmou que seu Exército está preparado para uma operação ainda mais longa – já dura 21 dias – e que "não vão parar" até conseguirem seu objetivo essencial: a "neutralização dos túneis" das milícias. É a primeira fase da desmilitarização total da Faixa exigida por Israel. Netanyahu reconheceu que é necessária "paciência" para abordar a "batalha contra os terroristas". Nem uma palavra sobre as negociações no Egito. Mandou uma mensagem para a comunidade internacional, de quem exigiu que em vez de demandar mais fornecimentos humanitários para Gaza, lhe deixem "inspecionar" tudo, entenda-se isto da maneira que quiser. Seu discurso, breve e contundente como de costume, teve mensagem de ânimo para a população. "Sabíamos que viriam dias difíceis", ressaltou. O primeiro-ministro falou pouco mais de uma hora depois que quatro israelenses morressem vítimas dos disparos de morteiros, a pouco mais de dois quilômetros da fronteira com a Faixa. Outras seis pessoas ficaram feridas, pelo menos duas em estado grave. Não existe sistema de alarme para um morteiro, o que explica o fato das pessoas não terem corrido para buscar um refúgio. É o segundo ataque desta natureza durante a ofensiva. Ocorreu em campo aberto, em um ponto no qual se concentrava uma multidão. Ainda não se sabe se tratavam-se de curiosos que aparecem na região para ver o bombardeio ou familiares que foram visitar soldados, desobedecendo a ordem de não o fazer. Por um túnel, segundo Peter Lerner, o porta-voz do Exército, vários milicianos do Hamas entraram em Israel na tarde de ontem. Cinco foram "abatidos" e um número indeterminado conseguiu escapar. Vários soldados ficaram feridos. O ataque se deu no kibutz de Nahal Oz, na região sul. As sirenes que avisavam o lançamento de foguetes se ouviam além de Tel Aviv, em Hadera e Cesareia, a 125 quilômetros de Gaza. Essa distância não era alcançada desde antes do início da invasão terrestre. A febre em Gaza, além disso, continua contagiando a Cisjordânia e o leste de Jerusalém. Ontem, 45.000 palestinos se concentraram nos arredores da Esplanada das Mesquitas, no primeiro dia de Eid, após o fim do Ramadã. Eram fiéis a caminho da oração que, também, levavam bandeiras palestinas – vetadas na cidade pelas autoridades israelenses – e camisetas com lemas de apoio ao Hamas, algo nada comum na cidade. Seus gritos eram de dor pelos mortos na Faixa, mas também de apoio a muqawana, a resistência. A multidão se dispersou sem incidentes.
FONTE: el pais

Caixa-preta revela que descompressão explosiva derrubou MH17


Voo da Malaysia Airlines com 298 passageiros caiu em território ucraniano
Análises da caixa-preta com os dados de voo do avião malaio derrubado mostram que foi destruído por estilhaços vindos da explosão de um foguete e caiu devido a "grande descompressão explosiva", disse uma autoridade do setor de segurança da Ucrânia nesta segunda-feira, 28. O porta-voz do Conselho de Segurança da Ucrânia, Andriy Lysenko, declarou em entrevista à imprensa em Kiev que a informação foi dada por peritos que analisam os registros de voo do avião derrubado em território sob controle dos separatistas no leste da Ucrânia, em 17 de julho. O Reino Unido está encarregado de baixar os dados das duas caixas-pretas recuperadas no local do desastre e entregar a informação para investigadores liderados pela Comissão de Segurança Holanda, que farão a análise. Rússia diz que sanções enfraquecem luta antiterrorismo Uma porta-voz da organização disse esperar a divulgação de um relatório até o fim de semana. O governo da Ucrânia e o Ocidente acusam os rebeldes de terem derrubado o avião. A Rússia responsabiliza o governo ucraniano pela queda, na qual morreram todas as 298 pessoas a bordo. Peritos não avançam Pelo menos três civis foram mortos durante a noite de domingo para segunda-feira em combates no leste da Ucrânia enquanto as tropas do governo intensificavam sua campanha contra rebeldes pró-Rússia, tomando o controle de uma estratégica área perto de onde o voo MH17 da Malaysia Airlines caiu, disseram autoridades nesta segunda-feira. Pesados confrontos nas imediações do local do desastre impediram que monitores internacionais chegassem ao local no domingo para investigar a derrubada do avião, que causou a morte de todas as 298 pessoas a bordo. Líderes ocidentais dizem ser praticamente certo que os separatistas abateram o avião por engano, usando mísseis terra-ar fornecido pelos russos. A Rússia acusa Kiev de responsabilidade pela derrubada. O governo ucraniano afirmou nesta segunda-feira que suas tropas recapturaram o controle de Savur Mogila, uma localidade estratégica a 30 quilômetros de onde o Boeing da Malaysia Airlines caiu em 17 de julho. Os peritos tiveram de se deter na cidade de Shakhtarsk, a cerca de 30 km dos campos onde a aeronave foi derrubada.

Avião faz pouso forçado em plantação no interior do Paraná

Aeronave saiu de uma pista particular de Foz e seguia para Curitiba. Dos quatro ocupantes, um teve ferimentos leves e já foi liberado.
Avião caiu em meio a uma plantação, na área rural de Foz do Iguaçu (Foto: Emerson de Jesus/ RPC TV )
Um avião fez um pouso de emergência na tarde desta segunda-feira (28), na área rural de Foz do Iguaçu, no oeste do Paraná. De acordo com as primeiras informações, três pessoas estavam na aeronave, o piloto, copiloto e um passageiro, mas apenas o copiloto ficou ferido, segundo o Corpo de Bombeiros. Às 18h03 o Corpo de Bombeiros informou que havia mais um passageiro no avião, totalizando quatro pessoas. O ocupante também não se feriu. Neste horário, o copiloto ferido já tinha recebido alta do hospital. Ele passa bem. O destacamento de controle do espaço aéreo de Foz do Iguaçu informou que o avião é da empresa de táxi aéreo Ribeiro. Ele decolou de uma pista particular de Foz com destino ao aeroporto do Bacacheri, em Curitiba. Por volta das 14h30, o piloto fez o pouso de emergência, porém ainda não se sabe o motivo. saiba mais Impasse sobre ampliação do Afonso Pena preocupa moradores Segundo o paraquedista Rodrigo Pedroso, que estava na pista de onde o avião decolou, o piloto avisou pelo rádio que estava com problemas mecânicos. “Eu vi ele decolando, e logo ele [o piloto] chamou no rádio e disse que estava com emergência. Eu vi que ele perdeu altura, já foi alinhando e disse que estava com problemas mecânicos e não conseguia resolver”, conta. Ainda conforme o destacamento de controle do espaço aéreo, um perito do Serviço Regional de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (SERIPA 5) de Porto Alegre deve chegar no fim da noite desta segunda e começar a coleta de dados na manhã de terça-feira (29). Até lá, a aeronave continuará no mesmo local. Em 30 dias o laudo ficará pronto.
FONTE: g1

Israel alerta para guerra longa em Gaza e combatentes palestinos cruzam fronteira


Por Nidal al-Mughrabi e Crispian Balmer GAZA/JERUSALÉM (Reuters) - Com uma expressão sombria, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, advertiu nesta segunda-feira que a guerra na Faixa de Gaza será prolongada, encerrando qualquer esperança de um fim rápido do conflito que já dura três semanas, enquanto combatentes palestinos lançaram um ataque audacioso na fronteira. O Exército israelense disse que cinco de seus soldados morreram em dois incidentes separados, incluindo quatro em um ataque com morteiros. "Tem sido um dia difícil, doloroso", disse Netanyahu em um discurso televisionado à nação. "Precisamos estar preparados para uma campanha prolongada. Vamos continuar a agir com força e discrição até que nossa missão esteja cumprida", afirmou ele, acrescentando que as tropas israelenses não deixarão Gaza até que consigam destruir uma rede de túneis do Hamas. Nesta segunda-feira, combatentes palestinos vindos da Faixa de Gaza se infiltraram em um vilarejo israelense e travaram uma batalha com soldados, desmoronando uma trégua durante o feriado muçulmano do Eid al-Fitr. Segundo a televisão israelense, o confronto resultou na morte de cinco militantes, mas o movimento islâmico Hamas diz ter causado a morte de 10 soldados de Israel. Depois da infiltração em Nahal Oz, numa vila formada por um kibutz, a leste da Cidade de Gaza, o Exército israelense emitiu um alerta para que milhares de palestinos abandonem suas casas no entorno da Cidade de Gaza. Esse tipo de aviso normalmente precede ataques retaliatórios. Ao cair da noite em Gaza, fachos de luz do Exército iluminaram o céu, e o som de intenso bombardeio podia ser ouvido. O incidente não foi a única brecha na frágil trégua. Oito crianças palestinas e dois adultos foram mortos em uma explosão num jardim ao norte da Faixa de Gaza. Moradores culparam os bombardeios de Israel pela explosão no parque, na qual também ficaram feridos 40 pessoas, mas o governo israelense disse que se tratou de um foguete lançado pelo Hamas que errou o alvo e atingiu o jardim num campo de refugiados. Poças de sangue se espalhavam no jardim do campo de refugiados, depois de uma das explosões. "Nós saíamos da mesquita quando vimos as crianças brincando com seus brinquedos. Segundos depois, o foguete caiu", disse Munther Al-Derbi, morador do campo. "Que Deus puna... Netanyahu", completou ele. MAIS DE MIL MORTOS As forças israelenses disseram que só estavam disparando para revidar os projéteis vindos de Gaza, enquanto engenheiros vasculham a fronteira leste do território em busca de túneis por onde se infiltram militantes. Israel e os militantes palestinos em Gaza estão há três semanas envolvidos em confrontos nos quais 1.060 pessoas morreram em Gaza, na maioria civis, atingidos por bombardeios israelenses. Morreram também 48 soldados e três civis de Israel. Os militantes islamitas do Hamas, a força dominante em Gaza, pediram uma pausa nas hostilidades nesta segunda-feira, no 21º dia do conflito com Israel, para a celebração do Eid, que marca o fim do mês do jejum do Ramadã. Inicialmente Israel recusou, tendo abandonado a sua própria oferta de estender uma trégua de 12 horas iniciada no sábado, já que os militantes palestinos continuavam lançando foguetes. No entanto, a calma imperou gradualmente durante a noite, com apenas troca ocasional de fogo, até que uma série de explosões sacudiu Gaza no período da tarde. Em seu discurso na televisão, Netanyahu disse que qualquer solução para a crise teria que incluir o desarmamento do Hamas. "O processo para evitar o armamento da organização terrorista e desmilitarização da Faixa de Gaza deve ser parte de qualquer solução. E a comunidade internacional deve exigir isso vigorosamente", declarou ele. O Hamas disse que suas forças se infiltraram em Israel para retaliar a morte das crianças no acampamento. "Suas ameaças não assustam nem o Hamas nem o povo palestino, e a ocupação (israelense) pagará o preço pelos massacres contra crianças e civis", disse o porta-voz do Hamas, Sami Abu Zuhri, à Reuters. Falando em Nova York, o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, lamentou o que ele descreveu como uma falta de vontade de todas as partes envolvidas no conflito. O secretário de Estado norte-americano, John Kerry, visitou a região na semana passada para tentar conter o derramamento de sangue, tendo o contato com o Hamas - o qual os EUA oficialmente não reconhecem - facilitado por Egito, Turquia, Catar e pelo presidente palestino, Mahmoud Abbas, apoiado pelo Ocidente. Israel quer que o Egito, que também tem fronteira com a Faixa de Gaza e vê o Hamas como uma ameaça à sua segurança, assuma a liderança para conter os militantes islâmicos palestinos, preocupado com que o Catar e a Turquia cedam às pressões do Hamas para abrir as fronteiras do território bloqueado.

O Banco Santander e a Telefônica lançam no Brasil um site de cursos gratuitos






Emilo Botín e César Alierta, no Rio de Janeiro / MARCELO SAYAO (EFE)

O Banco Santander e a Telefônica pensam que se um país não adapta a formação às novas tecnologias estará fora do mercado a médio e longo prazo. Por isso, neste domingo, no Rio de Janeiro, seus presidentes, Emilio Botín e César Alierta, lançaram o portal Miríada X que pretende ser um grande catalisador para democratizar o acesso à formação, oferecendo cursos gratuitos em massa e pela Internet (Moocs na sigla em inglês). Já se trata da plataforma virtual mais importante em espanhol e português, pois durante o ano e meio que durou seu programa piloto —primeiro com universidades espanholas e depois também latino-americanas—, mais de 700.000 pessoas se inscreveram em seus 153 cursos, ministrados por 990 professores de 33 campus. O gasto foi até o momento equivalente a 11,9 milhões de reais e aumentará de acordo com a demanda. O banco exerce o patrocínio através de Universia e a Telefônica oferece soluções tecnológicas O banco oferece patrocínio através de seu espaço global de educação superior Universia e a Telefônica oferece soluções tecnológicas. Alierta afirmou que se em 2025 a demanda por formação universitária aumentar em 80 milhões de pessoas, segundo cálculos da Unesco, “a única solução viável tem que estar associada à educação digital”. E, mais ainda, agora “que a formação continua nas empresas até os 70 anos”. Botín, por sua parte, chamou de “autêntica revolução” os cursos gratuitos online, e os comparou com o marco histórico da imprensa “que pela primeira vez deu acesso a muitas pessoas a formação e informação. O banqueiro organizou pela terceira vez, agora no Rio de Janeiro, um grande encontro de reitores (1.100) durante dois dias para conversar sobre o futuro da educação. O Santander se justifica, após alertar clientes sobre reeleição O presidente mundial do Santander, Emilio Botín, tentou neste domingo sair da saia justa criada por um informe enviado a alguns clientes no qual sugere que a melhora da presidenta Dilma Rousseff nas pesquisas poderia piorar o câmbio e as bolsas. Botín disse neste domingo, no Rio, que a carta mandada aos clientes brasileiros não foi feita pelo banco, e sim por um analista "que enviou o informe sem consultar quem deveria consultar". Conforme o site de notícias G1, após a declaração de Botín, um executivo do banco informou que todos os responsáveis serão demitidos após uma investigação interna. No programa piloto, 21,6% dos alunos inscritos terminaram o curso, com durações de entre quatro e oito semanas. “Não é um número baixo se comparado com os resultados de plataformas universitárias, que rondam 10-15%”, destacou Jaume Pagés, diretor da Universia. No futuro a ideia é abrir os cursos também em inglês. “A conectividade está indo à frente da educação”, afirma Alierta, que cita como exemplo a América Latina, onde há 130% de celulares. “Há mais telefones do que pessoas no mundo”. O público potencial do MiríadaX é de 600 milhões de pessoas e Manuel López, presidente dos reitores espanhóis, tem claro que esta aventura cibernética não poderia ter sucesso de forma individualizada.

Dilma Rousseff diz que a carta do Santander a clientes é “inadmissível”


A polêmica carta do banco Santander aos clientes de alta renda que insinuava que a melhora de Dilma nas pesquisas podia afetar o desempenho da Bolsa de Valores e do câmbio foi considerada "inadmissível" pela presidenta Dilma Rousseff. Em entrevista a jornalistas da Folha de S. Paulo, da emissora SBT e da rádio Jovem Pan, concedida nesta segunda-feira, a presidenta afirmou que um país não deve aceitar uma interferência de qualquer instituição financeira de qualquer nível. MAIS INFORMAÇÕES A saia justa do banco Santander O fantasma da recessão começa a rondar a economia brasileira A guerra contra a inflação invade a campanha eleitoral "Sobre o Santander, eu acho inadmissível. Eu não sei o que farei, eu não vou especular. Eu sou presidenta da República, eu tenho de ter uma atitude mais prudente", afirmou. Segundo ela, o banco fez um pedido de desculpas bastante protocolar. "Eu conheço bastante bem o Emílio Botín [presidente mundial do Santander], eu pretendo inclusive conversar pessoalmente com ele", completou. O incômodo da presidenta ficou patente nesta segunda durante, o III Encontro Internacional de Reitores "Universia", promovido pelo Banco Santander, no Rio de Janeiro. O tema pairou quase como um tabu pelos corredores do evento. Nenhum membro do Governo compareceu à jornada principal do evento no Rio, que reúne mais de mil reitores das principais universidades do mundo. Nem o vice-presidente da República, Michel Temer, nem o ministro da Educação. Até o prefeito do Rio, Eduardo Paes (PMDB), cancelou sua presença no último minuto. A orientação dada aos representantes do Santander presentes no Rio foi a de minimizar o incidente ou evitar falar dele diretamente. Fontes do Santander consultadas pelo EL PAÍS justificaram as notórias ausências dizendo que "ninguém do Governo do Brasil tinha confirmado totalmente sua presença; Estamos em período eleitoral, e imprevistos podem surgir". Sobre os motivos do incidente, as mesmas fontes reiteraram as explicações já dadas por Botín na abertura do evento, neste final de semana, de que não se tratava da posição do banco, e que "em uma organização onde trabalham 180.000 pessoas algo assim pode acontecer". Para a presidenta Rousseff, as projeções negativas sobre a economia se comparam aos maus presságios que foram feitos sobre a realização da Copa do Mundo no Brasil até a véspera do evento. "No ano passado falaram a mesma coisa da economia, falaram que haveria apagão [de energia elétrica]. Há um pessimismo com a economia do mesmo jeito que havia contra a Copa", avaliou a presidenta. Rousseff lembrou que ela foi aconselhada a fazer racionamento de energia, todos os meses do ano, "com consequência de queda de dois pontos do PIB", e nada disso ocorreu. "Há no Brasil um jogo de pessimismo inadmissível", disse ela. Questionada sobre o aumento do desemprego, a presidenta se defendeu dizendo que o país tem "a menor taxa história de desemprego de todos os tempos. Hoje é 5,2. Sobre a inflação, a presidenta disse o índice ficará no teto da meta neste ano (6,5%).

domingo, 27 de julho de 2014

“O nosso Estado, além de intervencionista ao extremo, é parasita”

O candidato à presidência pelo PV, Eduardo Jorge. / BOSCO MARTÍN
O médico sanitarista Eduardo Jorge, que concorre à presidência da República pelo Partido Verde (PV), credencia-se para ocupar o lugar de candidato incômodo desta eleição. Pretende discutir temas áridos, como reforma política, implementação do parlamentarismo, e tabus, a exemplo da legalização do aborto e da maconha. Fundador do Partido dos Trabalhadores, em que ficou 20 anos, e ex-secretário municipal do tucano José Serra, Jorge vê um modelo de Estado desgastado. “O nosso Estado, além de intervencionista ao extremo, é parasita, com uma estrutura de presidencialismo imperial”, diz ele, que defende as consultas públicas e plebiscitos. Autor da lei dos genéricos, o ex-deputado federal pelo PT sabe que tem “zero ou alguma chance” de vencer o pleito deste ano. Também é ciente que será difícil repetir o sucesso da ex-correligionária Marina Silva. A ambientalista, vice de Eduardo Campos (PSB), obteve 20 milhões de votos em 2010. A saída dela do PV para tentar criar a Rede foi nefasta, segundo Jorge, para a causa ambiental. “A organização do movimento político ambiental é frágil no país e aí ainda se dividiu. A gente devia ter se mantido unido e ampliado o PV”, analisa o candidato, que deixa a porta aberta para a volta de Marina. Pergunta. O senhor tem de 1% a 2% dos votos. Como tornar a sua candidatura viável? Resposta. Em um campeonato, a gente nunca sabe como termina. É verdade que tem três candidatos grandes, favoritos. Então é difícil dizer se um partido, além destes três, tem zero ou alguma chance. A gente tem consciência disto. Mas o PV tem obrigação de dar, no primeiro turno, uma opção para aqueles que têm uma convicção formada sobre a questão da sustentabilidade. Mas nada é impossível, principalmente num ambiente destes, de tanta instabilidade e de indocilidade da opinião pública. P. E qual é a meta do PV nesta eleição? R. Na eleição passada, elegemos 14 deputados federais, quatro “bateram asas” [mudaram de partido]. Agora queremos ter cerca de 20 deputados federais, e deputados estaduais em todos os Estados. Também é importante projetar o PV para as eleições municipais de 2016. Sabemos que ainda é difícil para um partido como o nosso chegar ao Executivo em Estados maiores. Temos de avançar pelas prefeituras, como fizemos no PT lá atrás, pois é onde você mostra a sua capacidade de governar e implantar novas políticas. P. Hoje existem 32 partidos. O que diferencia o PV dos demais? Os partidos brasileiros são partidos do século 20 R. Os partidos brasileiros são partidos do século 20. É da natureza deles se preocuparem com as questões econômica e sociais e achar que a natureza está a nossa disposição. Então, o papel do PV é muito importante. Ele é um porto seguro destas questões da sustentabilidade, de uma nova economia, de algumas teses de direitos humanos e sociais que são de vanguarda e difíceis de serem aceitas pelos partidos grandes, que fazem a conta dos marqueteiros. P. Falando na questão ambiental, como o senhor analisa a política externa brasileira sobre estes temas? R. O Brasil vem resistindo a lidar com o processo de desenvolvimento sustentável e fica sempre no retrocesso. Nas questões mais importantes que a ONU nos propôs neste aspecto, por exemplo - o aquecimento global e a adaptação às mudanças climática -, a posição do país é sempre a de somar com a China e nações deste tipo numa posição reativa, de não querer assumir responsabilidades maiores. Fui a um Fórum Nacional de Mudanças Climáticas no Palácio do Planalto em 2005, que tinha cinco ministros, e fiquei perplexo. O discurso era que quem criou o problema que o pague. Eu até tenho uma certa desconfiança de que a nossa presidenta é do time dos céticos. P. Dilma é cética para o senhor? R. Como o [George W.] Bush, dos que acham que o aquecimento global não existe, que é uma invenção. Ela, pela formação e pelo comportamento que tem mostrado, não sabe a gravidade das consequências do aquecimento global e da crise da biodiversidade para a humanidade. E, por esta incompreensão, o Brasil não desempenha o papel de liderança mundial que deveria e que está vago. Considera que assumir metas obrigatórias é como se alguém estivesse ferindo a soberania nacional. Até pode fazer uma coisa ou outra, mas acha que metas são para a Europa, Estados Unidos, Japão, Rússia. P. Ambientalistas e empresários criticam, por diferentes motivos, as concessões de licenças ambientais. A legislação brasileira é consistente? R. Não há falta de legislação ambiental, o que há é falta de vontade, e manipulação por parte do governo. No licenciamento das represas, por exemplo, que deram origem às usinas do Rio Madeira [em Porto Velho, capital de Rondônia, no norte do país], os técnicos concursados do Ibama deram parecer dizendo que o projeto era insuficiente, que não havia um estudo hidrológico adequado. Eles foram trocados pelo Governo por outros e, em três meses, saiu o parecer licenciando as obras. Resultado: as empresas ainda não estão nem produzindo a energia toda, mas já causaram um desastre ecológico sem precedentes. Porto Velho ficou três meses com um quinto da cidade embaixo d’água. P. No seu programa de governo, é citada a necessidade de crescimento zero em alguns países. Isto se aplicaria ao Brasil? Não dá para 1% ou 2% da população brasileira continuar a consumir como está. Este pessoal tem de ter crescimento zero R. Falamos em crescimento zero porque há países dentro dos países. Em São Paulo, por exemplo, você tem Miamis. Não dá para 1% ou 2% da população brasileira continuar a consumir como está. Este pessoal tem de ter crescimento zero ou até decrescimento para que você possa crescer em algumas áreas do Brasil, como o semiárido, respeitando os limites da natureza. Manter um estado de bem-estar, com saúde, educação etc, já seria extraordinário. P. E como ficaria o crescimento do PIB? R. Pode até ser que com este processo haja um crescimento de PIB, como pregam os economicistas, desde que seja virtuoso. Eu vou crescer em cima da indústria de petróleo, em cima de uma agricultura que produz alimentos com veneno, produzindo em larga escala motocicletas que causam genocídio dos jovens brasileiros? O crescimento não pode ser a qualquer custo, tem de trazer bem-estar, felicidade. Vou estimular a ampliação da indústria do automóvel incentivando o uso irracional dos carros, que quando dá um espirro correm quatro ministros para socorrer? Eu não sou contrário às pessoas terem um carro, tem até um lá em casa. Só que tem de fazer um uso racional. P. O senhor concorda com as críticas de seu partido de que há uma excessiva intervenção do Estado na economia nacional? R. Nós não podemos ser a favor de um Estado parasitário e hoje, no Brasil, o nosso Estado, além de intervencionista ao extremo, é parasita. Ele tem uma estrutura de presidencialismo imperial, que a gente quer substituir pelas centralidades das prefeituras. Hoje, todas as esperanças da democracia brasileira estão centralizadas em Brasília. É um país em que o Governo Federal fica com 68% dos tributos. Os Estados, com cerca de 20% e as prefeituras, com uns 10%. Nosso pensamento é inverter este processo. P. E como isto se daria? R. Vamos ser bastante rigorosos cortando em Brasília e crescendo nos Estados e prefeituras. A gente quer fortalecer o Estado onde ele é mais próximo da democracia participativa direta e é isto que o povo quer e está nas ruas exigindo: mais democracia. Mas de ponto de vista factível no dia a dia, onde essas pessoas possam participar. E isto pode se dar na administração de suas cidades, da prefeitura que está ali ao alcance das mãos. As administrações municipais é que devem comandar a saúde, educação e outras políticas importantes. É um absurdo também o Brasil ter 39 ministérios ou secretarias com este status, com toda burocracia e mordomia que isto significa em custo ao Brasil. Queremos cortar no Executivo e também no Legislativo, que é algo que ninguém fala. Pois se você quer reduzir Brasília tem de ser nos dois. Cair neste descrédito na democracia representativa dá espaço a pensamentos totalitários P. Todos os partidos defendem um modelo de reforma política. Qual seria o modelo do PV? R. A gente sugere três grandes propostas que devem ser discutidas com a sociedade, porque exigem uma reforma constitucional: o parlamentarismo, o voto distrital e o voto facultativo. Somos a favor da ampliação da democracia direta. O Brasil tem de aperfeiçoar e tornar mais frequentes consultas públicas e plebiscitos. Também tem de privilegiar a tramitação de projetos de autoria popular. Mas, o que a gente diz com toda clareza para este movimento novo nas ruas é que a democracia direta não substitui a democracia representativa. Cair neste descrédito na democracia representativa, como o país está enfrentando, dá espaço a pensamentos totalitários tanto de esquerda quanto de direita. P. Voltando ao parlamentarismo. Ele não pressupõe partidos fortes e o que, de fato, mudaria na dinâmica política brasileira? R. Defendemos o parlamentarismo, porque acreditamos que não dá para ficar neste presidencialismo imperial e com o Congresso Nacional refém de migalhas clientelistas e mordomias para poder sobreviver. O parlamentarismo é a forma mais colegiada e ele, por si só já é a reforma dos partidos. Os partidos vão se enraizar e se fortalecer no longo prazo, como acontece nos países europeus. R. Mas como aprovar estas mudanças se os políticos eleitos se beneficiam destas benesses? P. É preciso acreditar na população e na democracia. Pode ser que não mude na próxima legislatura, que demore duas ou três. Mas o debate com a opinião pública tem de começar. P. E o voto distrital misto, por que seria o melhor modelo? R. É uma forma de você ter uma campanha mais racional, mais próxima do povo. Pois você tem uma parte que é voto em lista, que é partidário e ideológico. Já a outra, o distrital, vai dividir as regiões em áreas menores e cada candidato vai fazer uma campanha mais próxima do povo e mais barata. Hoje, as campanhas são milionárias e escravizam os parlamentares, que acabam devendo satisfação mais a quem os financiou do que a quem os elegeu. P. A campanha do senhor pediu autorização à Justiça Eleitoral para gastar 90 milhões de reais... R. Eu não pedi nada disto, a direção do partido que copiou, por uma questão de inércia burocrática, o planejamento da campanha da Marina (Silva) de 2010 e repetiu os 90 milhões (de reais). A minha posição é que tem de mandar uma errata para o Tribunal Eleitoral corrigindo este número. P. E quanto deve ser gasto? R. Eu vou propor cortar 90%, vai cair para uns nove (milhões). Mas, mesmo assim, vou tentar gastar menos. P. Serão aceitas doações de pessoas jurídicas? R.O financiamento da campanha também, para mim, deve vir do financiamento público e de pessoas físicas. Não quero doações de empresa. Porque, caso contrário, fica aquela discussão da campanha da Marina: se nós vamos receber deste tipo de empresa e de outro tipo, não. Como é que vai ser este subjetivismo? (Eduardo Jorge, segundo sua assessoria, solicitou ao TSE que o limite de gastos de sua campanha seja reduzido para 15 milhões de reais. A sua campanha não aceitará doações de pessoas jurídicas) Eu não vou lavar as mãos como [Pôncio] Pilatos e abandonar estas mulheres [que abortam] a sua própria sorte P. Em seu programa, o senhor defende a legalização do aborto. Quais benefícios esta mudança traria? R. A nossa posição é expandir o planejamento familiar para reduzir o número de abortos e investir na educação no ensino fundamental para evitar a gravidez precoce que hoje é uma epidemia no país. Eu sou, aliás, o autor da lei de planejamento familiar. Por outro lado, há estimativas que mostram que entre 700.000 a 900.000 mulheres fazem estes procedimentos de interrupção de gravidez na clandestinidade no Brasil por ano, em condições inseguras e sendo consideradas criminosas pela lei brasileira. E eu vou lavar as mãos como [Pôncio] Pilatos e abandonar estas mulheres a sua própria sorte, principalmente aquelas mais pobres que vão em condições mais precárias e ficam com sequelas físicas, às vezes morrem? Tem realmente de legalizar e, quando atender uma mulher querendo interromper a gravidez no Sistema Único de Saúde, esclarecê-la e tentar mostrar que há opções de planejamento familiar muito mais racionais e seguras. P. Na última eleição presidencial e na atual os candidatos se distanciaram deste tema... R. Por hipocrisia ou covardia. Você não pode acreditar que pessoas esclarecidas tenham posições como o Serra e a Dilma tiveram na eleição passada. O que eles fizeram foi um malabarismo vergonhoso para dizer que eram a favor da criminalização das mulheres brasileiras. Porque foi isto que eles fizeram. Eu não acredito que eles (os atuais presidenciáveis) pensem assim - com exceção do pastor [Everardo, que é candidato à presidente], mas que mesmo assim eu duvido de sua fé se a coisa acontecer perto de sua família. Eles se comportam desta forma por puro cálculo eleitoral. Mas, quando você adota a postura tomada pelos partidos favoritos, você na prática está fortalecendo que estas mulheres são criminosas e, além das sequelas físicas, fortalece também as psíquicas. Afinal, elas já passam por outra condenação que é religiosa. P. O senhor defende a legalização do uso medicinal e recreativo da maconha. O Brasil está pronto para esta mudança? R. Basta ver que a política atual, que a gente adotada desde 1961, não está dando certo em nenhum lugar do mundo. É um fracasso retumbante. Já foram gastos bilhões ou trilhões de dólares pelo mundo e o número de usuários só aumentou, a gravidade das drogas usadas também, a quantidade de jovens presos pelo mundo só cresce. Por isto, países mais sábios começaram a implementar políticas alternativas. P. Mas qual é a política que o PV pretende implementar neste sentido? R. É seguir os exemplos pelo mundo, legalizar e regular. O termo regular é muito importante, porque antes o PV já era contra esta política proibicionista. Mas falava muito em legalizar. e falar em legalização somente parece que a gente está querendo incentivar o uso. Pelo contrário, não queremos incentivar psicoativo nenhum, nem a cannabis, nem o álcool nem o cigarro. Regular também significa pegar esta montanha de dinheiro que está sendo jogada em prisões e penitenciárias, desgraçando a vida de usuários e jovens que são usados como soldadinhos do tráfico, e investir em educação e saúde. Hoje, o Brasil tem uns 4 a 5 milhões de usuários de maconha - que causa dependência em cerca de 10% segundo as estatísticas. P. E com as outras drogas? R. Cada uma delas tem de ter a sua estratégia para sair da ilegalidade e entrar numa política de redução de danos. Mas são drogas mais difíceis e nocivas, que têm de se fazer uma transição mais rigorosa de acordo com as suas características sociais e o modo como afetam a saúde. P. Na candidatura do senhor, o PV vem retomando bandeiras liberais. Por que elas foram abandonadas na última campanha? O PV optou por respeitar algumas posições religiosas conservadoras da Marina R. A última campanha foi bastante vitoriosa, mas foi uma espécie de coligação entre o PV e a Marina. Uma coligação mesmo, porque a Marina é uma verdadeira instituição que tem ideias próprias e o PV optou por respeitar algumas posições religiosas conservadoras da Marina, como as em relação às drogas ou ao aborto. Se não fosse assim, seria impossível fazer uma aliança com ela. P. A candidatura da Marina em 2010 trouxe benefícios, de fato, para o PV? R. Foi uma campanha importante, com saldo positivo para o país. A questão da sustentabilidade nunca foi discutida tanto quanto naquela ocasião. Em termos de bancada, foi uma coisa desastrosa para a gente. Como pode você ter 20 milhões de votos (votação de Marina Silva à presidência) e não aumentar um deputado? É uma coisa inexplicável. Aliás, a gente tinha 15 e ficou com 14. P. Como o senhor viu a saída da Marina do PV? R. Foi desastrosa. Na minha avaliação, a simpatia da opinião pública com a questão da sustentabilidade é crescente no Brasil. Mas a gente perde muito porque a organização do movimento político ambiental é frágil no país e aí ainda se divide. A gente devia ter se mantido unido e crescido o PV, que ainda é frágil, Brasil afora. P. De quem é a culpa por esta divisão? R. Eles [os criadores de Rede] preferiram criar um partido a imagem e semelhança da Marina. É um direito, mas um desserviço. E tanto eles quanto a direção do PV são culpados por esta divisão que foi nefasta para a causa ambiental. Se dependesse de mim, nós caminharíamos para uma recomposição. Defendi que era necessária uma aliança que unisse o PT e o PSDB P. O senhor foi fundador do PT e foi secretário em gestões tucanas. Quais as principais diferenças entre os dois partidos? R. Como eu sou um velho socialista, eu sei que o PT e o PSDB são da mesma família socialista, assim como o PSB. A social-democracia alemã quando foi fundada era o partido de (Karl) Marx e (Friedrich) Engels. Também tenho a consciência prática de que as posições políticas deles não são tão distintas. O que existe é uma diferente extração social. O PT é um partido que, realmente, tem uma base sindical e social muito forte. O PSDB é um partido mais de teóricos, intelectuais de classe média, e o PSB sempre foi um braço auxiliar do PT. Por isto, na minha trajetória dentro do PT, um dos problemas que tive e que me levou ao desgaste com a direção e ao meu afastamento em 2003 foi que, desde 90, eu vinha defendendo que um governo reformista de orientação socialista ou social-democrata só teria força e sustentabilidade com a união entre PT e PSDB. Defendi que era necessária uma aliança que unisse o PT e o PSDB de uma maneira que não ficassem tão reféns de partidos e figuras conservadoras e até reacionárias, como ficaram e atrapalharam bastante os seus governos. P. E qual dos três principais candidatos possui um perfil mais próximo ao PV? R. Você quer falar de segundo turno? O segundo turno, a gente vai discutir no segundo turno. O alinhamento do PV não pode ser determinado automaticamente. Se nós não formos, vamos avaliar o candidato A, B ou C da família socialista que tiver lá e qual é a abertura que eles têm para as nossas teses. Não dá para dizer, porque eles têm virtudes e até defeitos parecidos.

quarta-feira, 23 de julho de 2014

A doutrina do ressentimento


Às vezes, só as vezes, convém prestar atenção nas insuportáveis palavras dos malas nas reuniões importantes. Em 1994, estava quase dormindo em um debate realizado em São Petersburgo, na Rússia, quando um homem robusto e de baixa estatura, com cara de rato, que parecia ser o braço direito do prefeito, começou a falar. Disse que a Rússia havia entregado de forma voluntária "imensos territórios" para as antigas repúblicas soviéticas, entre as zonas "que historicamente sempre pertenceram à Rússia". Se referia "não somente à Crimeia e ao norte do Cazaquistão, mas também, por exemplo, à área de Kaliningrado". A Rússia não podia abandonar à sua própria sorte estes "25 milhões de russos" que haviam passado a viver no estrangeiro. O mundo deveria respeitar os interesses do Estado russo "e do povo russo como grande nação". Aquele homenzarrão irritante se chamava – como podem supor – Vladimir V. Putin, e sei exatamente o que disse em 1994 porque a organização, a Fundação Körber de Hamburgo, Alemanha, publicou a transcrição completa. O que eu traduzi como "povo" russo é, na transcrição alemã, volk. Putin tinha e continua tendo uma definição völkisch, ampla e radical, dos russos: agora fala do russkiy mir, literalmente, o "mundo russo". A transcrição também mostra que eu fiz uma pequena brincadeira sobre as consequências que a visão do desconhecido funcionário municipal da prefeitura poderia ter quando disse: "Se atribuirmos a nacionalidade britânica para todas as pessoas que falam inglês, teríamos um Estado um pouco maior do que a China". Não podíamos adivinhar que, 20 anos mais tarde, aquele vice-prefeito de São Petersburgo, hoje czar sem coroa dos russos, iria apoderar-se da Crimeia à força, alimentar de maneira encoberta o caos e a violência no leste da Ucrânia e promover descaradamente sua atrasada visão völkisch como política de um Estado do século XXI. O Kremlin atual possui sua própria visão distorcida da doutrina humanitária desenvolvida pelo Ocidente e consagrada pela ONU sobre a "responsabilidade de proteger". A Rússia, insiste Putin, tem a responsabilidade de proteger os russos que estão no estrangeiro, e ele decide quem é russo e quem não é. É verossímil pensar que um exército regular teria identificado no radar um avião de passageiros Certamente, devemos evitar o que o filósofo Henri Bergson chamava de ilusões do determinismo retrospectivo. A história não é discutida em linha reta. Depois de sua ascensão ao poder supremo do Estado russo, que começou quando se converteu em primeiro ministro em 1999, Putin experimentou outros modelos de relações com o Ocidente e o resto do mundo. Durante alguns anos, tentou a modernização e a cooperação com o Ocidente. Celebrou a incorporação ao G-8, um dos incentivos que os Estados Unidos e a Europa ofereceram para ajudar a Rússia nas dificuldades inevitáveis de seu caminho pós-imperial. O presidente George W. Bush se equivocou quando disse que havia "olhado nos olhos" de Putin em 2001, mas seria pouco rigoroso chegar à conclusão de que em 2001 Putin já estivesse planejando secretamente recuperar a Crimeia e desestabilizar o leste da Ucrânia. Ainda que os historiadores devam investigar estas possibilidades alternativas, é fascinante ver que os princípios fundamentais da doutrina do Estado protetor de Putin, baseada no ressentimento, já estavam presentes em 1994, apesar de ainda não contar com o reforço das doutrinas ideológicas de pensadores russos como Ivan Ilyin. Houve um tempo no qual existia a doutrina Brejnev, que apelava para a "ajuda fraternal" para justificar ações como a invasão soviética da Checoslováquia em 1968. Mikhail S. Gorbachev a substituiu pela doutrina Sinatra – que cada um faça da sua maneira, como explicou o porta-voz do Ministério de Assuntos Externos, Gennadi I. Gerasimov – em suas relações com a Europa Oriental. Agora temos a doutrina Putin. Os combatentes locais não teriam a tecnologia necessária para lançar semelhante ataque Não resta nenhuma dúvida que estamos diante de uma ameaça não somente para os vizinhos da Rússia no leste da Europa e Ásia Central, mas para toda a ordem internacional criada desde 1945. Todos os países do mundo contam com homens e mulheres que vivem em outros Estados mas que os consideram, em certo sentido "sua gente". E se, como ocorreu no passado, as minorias chinesas dos países do sudeste asiático forem vítimas da discriminação e da ira popular, e a China (aonde, durante uma visita que fiz na primavera, ouvi frases de admiração sobre a atuação de Putin) decidir assumir sua responsabilidade de mãe pátria e exercer sua responsabilidade völkisch de proteger? Para deixar claro porquê uma coisa assim é totalmente inaceitável e constitui uma grave ameaça contra a paz mundial, devemos começar a entrar em um acordo sobre os direitos legítimos e as responsabilidades de uma mãe pátria. Meu passaporte britânico contém a velha e ressoante fórmula de que o ministro de Estado de sua majestade britânica "solicita e exige" que as potências estrangeiras me deixem entrar "sem travas nem limites", e se eu me encontrar em algum momento com dificuldades, por exemplo, na Transnístria, esperaria (ainda que não necessariamente com muita confiança) que eu, de fato, exigiria. Mas falando sério, a Polônia expressou sua preocupação pela situação dos cidadãos de língua polaca na Lituânia. A Hungria deu passaporte e direito de voto nas eleições nacionais para cidadãos de países vizinhos que considera membros do povo húngaro. Em síntese, para identificar quem é ilegítimo, devemos explicar mais claramente quem é legítimo. No momento em que escrevo estas linhas, as autoridades norte-americanas e ucranianas afirmam, com sólidos argumentos, que com toda a probabilidade foi um míssil antiaéreo disparado do território controlado pelos separatistas pró-russos o que derrubou o voo 17 da Malaysia Airlines, uma nova colheita de aflição nos campos ucranianos ensanguentados pela história. Ainda não ficou categoricamente estabelecido quem disparou. Mas Putin demonstra uma hipocrisia de dimensão orwelliana quando diz, como fez na sexta-feira, que "o Governo do território no qual ocorreu esta terrível tragédia é o responsável". É evidente que muitos dos que se identificam como russos no leste da Ucrânia sentem um amargo ressentimento, mas a violência de seus protestos se deve em grande parte ao relato mentiroso colocado no ar pela televisão russa, e a Rússia de Putin apoiou – para não empregar um termo mais forte – seus paramilitares, por exemplo, com a presença de membros ou ex-membros das forças especiais russas. Não há dúvida de que estamos diante de uma ameaça contra toda a ordem internacional Para fazer um juízo mais firme sobre as causas da tragédia é necessário esperar por mais provas, mas parece verossímil pensar que um Exército regular (ucraniano ou russo), normalmente, teria identificado a imagem de radar de um avião de passageiros que voava a 11.000 metros, e que um grupo composto somente por combatente locais (ainda que tivessem experiência militar) não teria a tecnologia nem a capacidade para lançar semelhante ataque sem ajuda externa. São precisamente as contradições e ambiguidades geradas pela versão étnica da "responsabilidade de proteger" que permitem possibilidades tão desastrosas. Putin debilita e põe em xeque a autoridade do Governo de um território soberano e então o culpa pelas consequências. Consequentemente, se um vice-prefeito desconhecido começa a dizer coisas alarmantes em alguma reunião na qual estejam presentes, meu conselho é que prestem atenção. Os que falam e criticam desta maneira, na sua maioria, não costumam chegar rapidamente nos cargos mais altos. Mas, quando chegam, suas ideologias do ressentimento podem acabar transformadas em sangue. Timothy Garton Ash é professor de Estudos Europeus na Universidade de Oxford e pesquisador titular na Hoover Institution. Seu último livro é Os fatos são subversivos: escritos políticos para uma década sem nome.
Fonte:el pais

Não existe um local seguro para os moradores da Faixa de Gaza

Um bombardeio, nesta terça-feira, em Gaza. / M. Saber (Efe)
O professor Ibrahim Kilani e a sua família escaparam na quinta-feira da sua casa em Beit Lahia, no norte da Faixa de Gaza, quando os soldados de Israel começavam a invasão terrestre da região. Muitos palestinos pensavam àquela altura que a infantaria e os tanques avançariam somente pelo norte do território, por isso Ibrahim e Tagrid Kilani levaram seus cinco filhos para o bairro de Shijahia, na zona leste da Cidade de Gaza. Saíram de lá a tempo de evitar as bombas que arrasaram o subúrbio na noite de sábado, causando a morte de dezenas de moradores. Refugiaram-se então no edifício mais otimista da Faixa, a Torre da Paz, na rua Omar el Mutjar, no centro da cidade. Seus seis andares superiores desmoronaram na segunda-feira por causa do impacto de dois mísseis israelenses. Lá morreram o casal Kilani, seus cinco filhos, de 4 a 12 anos de idade, e outras quatro pessoas. Como eles, mais de 600 palestinos perderam a vida em duas semanas de intensos bombardeios israelenses. Quando o Exército de Israel ordena aos moradores que abandonem um bairro, famílias inteiras, como os Atar, da aldeia da Atatra, procuram proteção em alguma das 69 escolas habilitadas como refúgio pela ONU. MAIS INFORMAÇÕES As principais companhias aéreas suspendem seus voos para Israel Israel declara desaparecido um de seus soldados em Gaza Ban Ki-moon e Kerry fazem pressão por trégua na Faixa de Gaza Israel sofre seu pior revés militar desde a guerra de 2006 contra o Líbano Mais de 100.000 desabrigados já se protegeram nesses locais. Mas, na terça-feira, Israel atacou uma dessas escolas-refúgios. A ONU – que denunciou a descoberta de foguetes em uma segunda escola – confirmou o ataque, mas não detalhou se o edifício havia sido evacuado. Na véspera, os canhões israelenses dispararam contra o hospital Al Aqsa, que estava cheio de pacientes. Cinco pessoas foram mortas. Os 1,8 milhões de moradores de Gaza não podem deixar a Faixa. Israel, assim como o Egito, mantém todas as passagens fronteiriças fechadas. Resta o mar, onde as patrulhas israelenses espreitam qualquer navio que entre no Mediterrâneo. “Em Gaza não há, literalmente, nenhum lugar seguro”, salientou um alto funcionário da ONU em Genebra. Apanhados no que consideram uma grande prisão, muitos palestinos vagam pela Faixa, como os Kilani, que acreditavam que a guerra declarada por Israel “contra os túneis do Hamas” não afetaria o quinto andar da Torre da Paz. Ou como a viúva Nasha Suker, que, após deixar o devastado bairro de Shijahia, sem saber aonde ir, se refugia na igreja ortodoxa de São Porfírio com seus sete filhos, outros 50 familiares e várias centenas de palestinos mais. O arcebispo grego Alexios abriu as portas do templo após um acordo com os responsáveis pela mesquita vizinha. Suarento e agitado depois de uma noite sem pegar olho, o arcebispo contava ontem que os tanques israelenses haviam bombardeado os dois cemitérios adjacentes: o cristão e o muçulmano. As mulheres que cuidavam das crianças com Nasha contaram que “estilhaços e pedras das tumbas” haviam saltado com as explosões, chegando ao pátio onde seus filhos brincavam. Desta vez não houve feridos, mas os estilhaços, ainda fácil de encontrar ontem, romperam as caixas d’água. Enquanto mais um soldado israelense morria na frente de Gaza, elevando a 28 o total de militares mortos nesta ofensiva, a diplomacia internacional intensificava os contatos para promover um cessar-fogo permanente entre Israel e as milícias palestinas, que continuaram disparando foguetes contra Israel. O primeiro-ministro israelense, Benjamim Netanyahu, havia acusado o Hamas de usar “a morte telegênica” de palestinos em Gaza “em prol da sua causa”. Netanyahu insistiu nesta terça-feira que os palestinos mortos nos bombardeios do Israel são “vítimas do brutal regime do Hamas”. Israel admitiu que um de seus soldados, Oron Shaul, está desaparecido. O Hamas anunciou sua captura no domingo.
Fonte: el pais